terça-feira, 22 de janeiro de 2013

INTRODUÇÃO AO TEMA 'DEPENDENDÊNCIA E CO-DEPENDÊNCIA QUÍMICA'


Blog “Dependência e Co-dependência Química”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/



DEPENDÊNCIA QUÍMICA


A Dependência Química é um conjunto de fenômenos que envolvem o comportamento, a cognição e a fisiologia corporal conseqüente ao consumo repetido de uma substância psicoativa, associado ao forte desejo de usar esta substância, juntamente com dificuldade em controlar sua utilização persistente apesar das suas conseqüências danosas. Na dependência geralmente há prioridade ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações sócio-ocupacionais.
A tolerância é o primeiro critério relacionado à dependência. Tolerância é a necessidade de crescentes quantidades da substância para se atingir o efeito desejado ou, quando não se aumenta a dose, é entendida também como um efeito acentuadamente diminuído com o uso continuado da mesma quantidade da substância. O grau em que a tolerância se desenvolve varia imensamente entre as substâncias.
Existe um padrão de uso repetido da substância que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. Um diagnóstico de Dependência de Substância pode ser aplicado a qualquer classe de substâncias. Os sintomas de dependência são similares entre as várias substâncias, variando na quantidade e gravidade de tais sintomas entre uma e outra droga. Os sintomas psíquicos e sociais decorrentes da dependência do fumo, por exemplo, são absolutamente menores do que aqueles da dependência ao álcool.
Chama-se "fissura" o forte impulso subjetivo ou compulsão incontrolável para usar a substância. Embora não seja especificamente relacionada como um critério, a “fissura” tende a ser experimentada pela maioria dos indivíduos com Dependência de Substância (se não por todos). A dependência é definida como um agrupamento de três ou mais dos sintomas relacionados adiante, ocorrendo a qualquer momento, no mesmo período de 12 meses.
Os indivíduos com uso pesado de opióides e estimulantes podem desenvolver níveis gravíssimos de tolerância, por exemplo, como se necessitasse dez vezes mais quantidade depois de algum tempo. Freqüentemente essas dosagens da tolerância seriam letais para uma pessoa não-usuária. Muitos fumantes consomem mais de 20 cigarros por dia, uma quantidade que teria produzido sintomas de toxicidade para uma pessoa que está começando a fumar.
Os indivíduos com uso pesado de maconha em geral não têm consciência de que desenvolveram tolerância, embora esta tenha sido largamente demonstrada em estudos com animais e em alguns indivíduos. A tolerância pode ser difícil de determinar com base apenas na estória oferecida pela pessoa, porém, os testes laboratoriais acabam mostrando altos níveis sangüíneos daquela substância, juntamente com poucas evidências de intoxicação, o que sugere fortemente uma provável tolerância.

 Critérios para Dependência de Substância

Um padrão mal-adaptado de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:

(1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:

(a) necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado;
(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância;

(2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:

(a) síndrome de abstinência característica para a substância;
(b) a substância (ou outra estreitamente relacionada a ela) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência;

(3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido;

(4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância;

(5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos;

(6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância;

(7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool).

O dependente pode até expressar um desejo persistente de reduzir ou regular o uso da substância, mas reluta sempre em decidir deixar de vez a substância. E com freqüência já deve ter havido muitas tentativas frustradas de diminuir ou interromper o uso. A questão essencial, de fato, está no fracasso do dependente se abster de usar a substância, apesar das evidências do mal que ela vem causando.
Em geral o dependente dedica muito tempo obtendo a substância, usando-a ou recuperando-se de seus efeitos. Em alguns casos de Dependência de Substância, virtualmente todas as atividades da pessoa giram em torno da substância.
As atividades sociais, ocupacionais ou recreativas podem ser seriamente prejudicadas, abandonadas ou reduzidas em virtude da dependência ou uso bastante abusivo da substância, e o dependente pode afastar-se de atividades familiares a fim de usar a droga em segredo ou para passar mais tempo com amigos usuários da substância.
As primeiras experiências com drogas ocorrem, freqüentemente, na adolescência. Vários trabalhos, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS) têm evidenciado a precocidade da faixa etária do início do uso de drogas, geralmente dentro da adolescência, entre 10 e 19 anos.
Fisiologicamente, na adolescência as regras costumam ser questionadas e contestadas e, juntando-se o fato desta ser uma época de experimentações, surge um risco maior para o uso de drogas ilícitas, álcool e fumo. Todavia, felizmente, nem todas as pessoas que experimentam drogas se tornam dependentes, porém, quando ocorre, a dependência química é uma doença complexa, de tratamento longo e nem sempre eficaz.
Quando se pesquisam as causas para a dependência química é acaba-se sempre concluindo ser esta multideterminada, ou seja, multifatorial. Existem alguns fatores fortemente associados ao uso abusivo de drogas e dependência química, como por exemplo, os fatores genéticos, psicológicos, familiares e sociais. Em geral parece que esses fatores não costumam agir isoladamente e sim em conjunto.

CAUSAS EXISTENCIAIS ATRIBUÍDAS AO USO DE DROGAS

Aqui vamos comentar algumas influências sócio-ambientais no uso de drogas, ou seja, nas influências do destino vivencial da pessoa sobre seu comportamento, pensamento e sentimento.

Família – Dentre os inúmeros fatores associados à dependência química, a família, ou, mais precisamente, as atitudes da família com propósitos educativos parece ser um fortíssimo fator de intervenção e influência, principalmente em relação à prevenção da dependência. Dessa maneira, o meio familiar pode ser um importante elemento de proteção ou, ao contrário, de facilitação dos comportamentos de risco, do abuso ou de uma possível dependência de drogas.
Segundo Pons (1998), os principais fatores familiares de proteção ao uso de drogas se encontram nos laços afetivos estabelecidos entre seus membros, no monitoramento das atividades e amizades do adolescente, na construção de escalas de valores éticos e no estímulo para condutas sociais adequadas.
Rebolledo, Ortega e Pillon (2004, citado por Broeker e Jou, 2007) analisaram 2.829 estudantes de ambos os sexos, com idades entre 12 e 17 anos, mediante o Test Drug Use Screening Inventory. Os autores constataram que a disfunção familiar e a existência de transtorno emocional prévio foram os fatores mais correlacionados ao maior risco para o uso de drogas.
Alguns outros pesquisadores (Pechansky, Szobot e Scivoletto, igualmente citados por Broeker e Jou, 2007) atribuíram à ausência do pai no domicílio do adolescente um risco 22 vezes maior chance de o adolescente ser dependente de drogas, quando comparado aos adolescentes que viviam com ambos os pais.
Sem nenhuma dúvida reconhece-se universalmente que o papel dos pais e do ambiente familiar é marcante no desenvolvimento dos filhos. A falta de suporte e estrutura familiar, bem como o comportamento de risco ou o uso de drogas pelos próprios pais são atitudes facilitadoras ao uso, abuso e dependência dos filhos.
Acredita-se, inclusive, haver uma relação entre o aumento no consumo de drogas e as mudanças sofridas pela estrutura familiar na modernidade. A entrada das mulheres para o mercado de trabalho e, conseqüentemente, a ausência proporcional de sua presença no lar sem dúvida acabou por conferir um novo perfil à família. Com isso pode ter havido uma crescente dificuldade no acompanhamento intensivo e na educação dos filhos.
Consumada essa nova estrutura familiar, juntamente com o grande e crescente número de separações conjugais, automaticamente inviabilizaram-se os modelos educativos das gerações passadas e novos modelos deverão ser aplicados. Como tudo o que é novo, diante do novo modelo educacional, onde participa cada vez mais as instituições e cada vez menos os pais, existe uma grande apreensão e insegurança sobre quais são, exatamente, as práticas educativas mais desejáveis.
Seriam consideradas práticas educativas desejáveis a sensibilidade para os sentimentos dos filhos, o envolvimento positivo nas atividades dos membros da família, o controle positivo da disciplina conscientizando o objetivo das regras e divisão da tomada de decisões. Seriam  consideradas práticas educativas indesejáveis a intromissão, o controle do comportamento através da culpa e da disciplina através da autoridade, a evitacão de participação nas decisões.
Evidentemente qualquer pesquisador de bom senso entenderá que a questão pais separados ou não, mãe trabalhando fora ou não, etc., etc., não pode ter um valor absoluto no modo de agir dos filhos. Em medicina a relação causal exige uma observância mais criteriosa. Se a questão fosse tão simples assim, todas as crianças criadas em instituições e orfanatos seriam dependentes químicos, sociopatas, prostitutas, marginais e assim por diante. 

Modelo Cultural – Outro fator existencial que pode contribuir para a busca por drogas está no modelo cultural. A cultura, através da mídia fortemente penetrante no pensamento do ser humano contemporâneo, influi sobremaneira na elaboração de escalas de valores.
A imagem propalada de usuários de drogas como pessoas interessantes, glamorosas, bem sucedidas sexualmente, artistas famosos, algumas vezes com destaque social e/ou econômico seguramente influi nos conceitos de certo-errado do jovem em formação.
O apelo para beber é absolutamente inegável em nossa sociedade ocidental. Não se vê, socialmente, uma pessoa convidando a outra para “ir lá em casa tomar um chazinho”, ou para comemorar algum sucesso em uma confeitaria. Entre os jovens, causa muita estranheza a pessoa recusar um copo de bebida alcoólica alegando simplesmente “eu não bebo”. Possivelmente sua imagem ficará algo arranhada, principalmente para o sexo oposto.
Também não se vê durante uma noitada de entretenimento, de forma alguma, um jovem alertando o outro sobre os riscos da dependência química. Muito pelo contrário; qualquer atitude normativa e de aconselhamento nesse sentido é pejorativamente tida como inadequada, retrógrada e aborrecedora.
Alguns ídolos do mundo artístico mortos por overdose de alguma droga acabam sendo até enaltecidos. São vários os filmes sobre biografias de grandes drogados, alguns com fortes traços sociopáticos, apresentando-os como pessoas interessantíssimas, fascinantes e meritosas.  
O valor e mérito social da pessoa na sociedade contemporânea parece estarem atrelados quase exclusivamente à sua condição de produção. O uso de drogas pode ser bastante tolerado se a pessoa for um bom aluno, um trabalhador regular, bem sucedido economicamente, enfim, se for alguém que convencionalmente se define como “uma pessoa de sucesso”. Mas não devemos esquecer que sendo “uma pessoa de sucesso” seu comportamento servirá como modelo para outras tantas pessoas, não necessariamente “de sucesso”.

A Pessoa – Agora vem uma questão capaz de arruinar qualquer raciocínio conclusivo aplicado às anteriores; a responsabilidade da pessoa em seu próprio destino. Não se desmerece, de forma alguma, a importância da família e da sociedade no desenvolvimento e no desígnio da pessoa, entretanto, a parte mais importante desse vir-a-ser continua sempre sendo ela mesma.
Juntamente com as pesquisas investigativas sobre a causalidade da dependência, devem-se enfatizar as pesquisas sobre a personalidade pré-mórbida do dependente, sobre seu histórico emocional, seus antecedentes psicopatológicos, sobre sua natureza genética, enfim, as pesquisas devem valorizar o dependente com o mesmo entusiasmo que valoriza o meio.
Como recomenda muito bem o existencialismo, didaticamente exposto em Sartre, de fato a pessoa não deve ser responsabilizada pelo que o destino fez com ela, mas é totalmente responsável pelo que ela vai fazer com aquilo que o destino fez com ela (veja mais sobre Dependência e Personalidade). 

DADOS SOBRE O USO DE DROGAS ENTRE ADOLESCENTES NO BRASIL

Os adolescentes usuários e dependentes de drogas têm uma situação vivencial que pode ser comparada aos não dependentes da seguinte maneira:

Adolescentes Dependentes e Não Dependentes
Dependentes Químicos
%
Não está estudando
70,8%
Freqüentavam escolas públicas
79,2%
Repetência de ano pelo menos 1 vez
87,5%
Têm pais separados
79,2%
Não Dependentes
%
Estão estudando
87,5%
Freqüentam escolas particulares
79,2%
Não têm repetência
29,2%
Têm pais casados
62,5%
Broecker & Jou, 2007

Droga usada por adolescentes Dependentes e Não Dependentes
Droga
Depende
Não Depende
Maconha
96,0%
33,3%
Craque
79,2%
8,40%
Cocaína
50,0%
16,7%
Cola
41,7%
8,40%
Solventes
4,2%
12,5%
Broecker & Jou, 2007

PERCEPÇÃO DA PESSOA SOBRE SUA PRÓPRIA DEPENDÊNCIA

Quanto, exatamente, o dependente químico reconhece sua própria dependência? A autopercepção com relação à drogadição é alta, pois, respondendo questionários anônimos com franqueza, 87,5% dos dependentes reconhecem ser dependentes químicos e admitem precisar de ajuda, e 89,4% dos sem-dependência disse não ter problemas em relação ao uso de drogas ilícitas.
Talvez o fato comum dos dependentes externarem um discurso de não reconhecem ostensivamente sua própria dependência seja um mecanismo de defesa de pseudo-negação da angustiante penúria existencial em que se encontram.
Entre os adolescentes brasileiros o consumo de drogas tem sido pesquisado por vários autores, havendo alguma discrepância bem pouco significativa entre os resultados. Em relação as drogas mais consumidas os resultados de Tavares, Béria e Silva Lima são os seguintes:

Substâncias mais consumidas
Freqüente
Predomínio
Álcool
86,8%
24,2%
Meninos
Maconha
19,9%
4,9%
Meninos
Solventes
18,2%
2,5%
Meninos
Anfetamínicos
8,4%
2,3%
Meninas
Tabaco
41,0%
28,0%
Meninas
Cocaína
3,2%
2,3%
Meninos
Beatriz Franck Tavares, Jorge Umberto Béria e Maurício Silva de Lima - Rev Saúde Pública 2001;35(2):150-158 (2.410 estudantes entrevistados)

O uso freqüente e intoxicações por álcool foram mais prevalentes entre os meninos. Há a associação positiva entre uso de drogas (exceto álcool e tabaco) e:
• Turno escolar noturno;
• Maior número de faltas à escola;
• Maior número de reprovações escolares.

Embora sejam países com realidades muito diferentes, a comparação entre Brasil e Estados Unidos é válida, tendo em mente que em nosso país a sociedade tem uma tendência inexorável de arremedar costumes e comportamento dos americanos. O  levantamento domiciliar realizado pelo CEBRID buscou em todos os detalhes acompanhar o dos americanos, o que torna a análise de ambos interessantes. Os dados do estudo americano foram retirados do SAMSHA, 2001, referindo à pesquisa feita em 2000.

Comparação dos resultados do Brasil e EUA para o uso das diversas drogas psicotrópicas.
DROGAS
Uso na vida
Brasil %
EUA%
Qualquer Droga*
19,4
38,9
Maconha
6,9
34,2
Cocaína
2,3
11,2
Crack
0,4
2,4
Heroína
0,1
1,2
Alucinógenos
0,6
11,7
Solventes
5,8
7,5
Opiáceos
1,4
8,6
Tranqüilizantes
3,3
5,8
Estimulantes
1,5
6,6
Álcool
68,7
81,0
Tabaco
41,1
70,5
* - exceto álcool e tabaco
CEBRID – disponível em
http://www.cebrid.epm.br/levantamento_brasil/parte_5.pdf

CONSUMO DE MACONHA NO BRASIL

Estudo feito pelo CEBRID abrangendo 107 cidades com mais de 200 mil habitantes sobre o consumo de maconha no Brasil. Exceto tabaco e álcool, o uso na vida, no total das drogas foi de 19,4%, sendo a maconha a droga que teve maior uso experimental com 6,9%. A região Sul do Brasil foi à campeã em porcentagens de uso na vida para a maconha com 8,4% de usuários.
 A dependência de maconha ,ao contrário do que sempre se divulgou com duvidosa intenção, existe sim e apareceu em 1,0% dos entrevistados, o que equivale a uma população estimada de 451.000 pessoas no país. Este é provavelmente um número muito otimista, considerando as dificuldades em se obter respostas sinceras. A região Sul foi aquela onde apareceram as porcentagens mais expressivas de dependentes de maconha 1,6% dos entrevistados.

Prevalência (uso na vida) de maconha e cocaína

Maconha*
Cocaína**
EUA
34,2%
11,2%
Reino Unido
25,0%
3,0%
Dinamarca
24,3%
1,7%
Espanha
19,8%
3,2%
Chile
19,7%
4,5%
Holanda
19,1%
2,6%
Grécia
13,1%
1,0%
Suécia
13,0%
1,0%
Brasil
6,9%
2,3%
Colômbia
5,4%
1,6%
Alemanha
4,2%
0,2%
Itália

3,5%
Portugal

1,3%
*- CEBRID
** - Ospina,1997; CONACE, 2001, 2005; EMCDDA, 2005; NIDA, 2005; CICAD, 2005

Poucos países separaram o uso de crack da cocaína. No Brasil o uso na vida de crack foi de 0,7%, no Chile é de 1,4% e nos Estados Unidos 2,6% (CONACE, 2005; NIDA, 2005). As regiões com maiores porcentagens de uso de crack no Brasil foram a região Sul com 1,1% e a Sudeste com 0,8%. A capital com maior uso na vida de crack foi João Pessoa com 2,5% dos estudantes.
Nos EUA houve um aumento significativo de usuários nocivos e dependentes de maconha entre os anos de 1992 e 2002 (30,2% e 35,6% de usuários, respectivamente). Este aumento pode estar relacionado, em parte, ao aumento do potencial de dependência da maconha. Isso talvez seja conseqüência do amento de 66% no teor da substância ativa da maconha (chamada de THC) nesse período. Com técnicas sofisticadas de apuração da planta o THC na amostra de maconha analisada em 1992 era de 3,01%, contra 5,11% da maconha analisada em 2002.
Em um estudo prospectivo, iniciado em 1970, com acompanhamento por 12 anos, mostrou-se que 1 em cada 4 usuários de maconha desenvolveram síndrome de dependência no período compreendido entre a adolescência e a idade adulta jovem.

AUMENTO DO CONSUMO DE MACONHA NO BRASIL

Dados do CEBRID em 10 capitais, onde foram realizados levantamentos anteriores entre estudantes, pode-se notar que a tendência par o uso na vida (pelo menos uma vez na vida) foi aumentar em oito capitais, exceto em Brasília e Salvador. O uso de maconha nos quatro levantamentos realizados pelo CEBRID, entre estudantes do ensino fundamental e médio, de dez capitais brasileiras (1987, 1989, 1993, 1997 e 2004) passou de 2,6 em 1987 para 6,5 % em 2004.

Uso de maconha entre meninos de rua em 4 capitais
Capitais
1987
2003
São Paulo
43,7%
73,8%
Rio de Janeiro
20,0%
59,3%
Brasília
21,9%
52,3%
Porto Alegre
29,3%
21,3%

A maconha é a substância ilícita mais consumida nas sociedades ocidentais. Três questões referentes ao consumo de maconha são discutidas atualmente:

• O início do consumo cada vez mais precoce na adolescência;
• A potência cada vez maior das novas apresentações de canabis; e
• O aumento progressivo da prevalência do uso.

A Dependência Química é um dos transtornos mentais mais comuns, acometendo as mais diversas faixas etárias, porém, mais comumente iniciado na adolescência e juventude. Consumir drogas é uma prática milenar e universal e não há sociedade que não conheça algum tipo de droga com as mais diversas finalidades.
A adolescência é uma etapa do desenvolvimento que suscita grandes preocupações quanto ao consumo de drogas, principalmente por conta da vulnerabilidade à todo tipo de influência e frustrações. As causas da dependência aparentemente são múltiplas, desde genéticas, culturais, até vivenciais, o tratamento é dificílimo e o prejuízo na vida pessoal do dependente é incalculável.
  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUS J, KUPEK E, PIRES M. Prevalência e fatores de risco relacionados ao uso de drogas entre adolescentes. Revista de Saúde Pública, 36(1), 40-46 (2002).
BROECKER, C. Z.; JOU, G. I. Práticas educativas parentais: a percepção de adolescentes com e sem dependência química. Psico-USF, v. 12, n. 2, p. 269-279, (jul./dez. 2007).
CARLINI E, GALDURÓZ J, NOTO A, NAPPO S. Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas no Brasil.
CENTRO BRASILEIRO DE INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS PSICOTRÓPICAS. Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina e SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas, Presidência da República, Gabinete de Segurança Nacional (2001).
CONACE. Consejo Nacional para el Control de Estupefacientes, Ministerio del Interior. Tercer estudio nacional de consumo drogas en Chile 2000. Sistema Nacional de Información sobre Drogas, Chile, 125p, (2001).
OSPINA, ER. Estudio Nacional sobre Consumo de Sustancias Psicoactivas Colombia. Fundacion Santa Fe de Bogotá,129p, (1997)
PONS, J. El modelado familiar y el papel educativo de los padres en la etiología del consumo de alcohol em los adolescentes. Revista Española de Salud Publica, 72(3), 251-266 (1998).
SANTOS FILHO, LG. CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. disponível em http://www.gan.com.br/campanhas-e-projetos/seja-diferente/80-cebrid-centro-brasileiro-de-informacoes-sobre-drogas-psicotropicas.
TAVARES BF, BÉRIA JH, SILVA DE LIMA M. Prevalência do uso de drogas e desempenho escolar entre adolescentes. Revista de Saúde Pública;35(2):150-158 (2001).

            DEPENDÊNCIA QUÍMICA E OUTRAS DOENÇAS MENTAIS

Uma das perguntas mais comuns sobre dependência química é saber, afinal, se os usuários de drogas são mais vulneráveis às doenças mentais ou se algumas doenças mentais é que levam ao consumo da droga? Excluindo-se o próprio fato da dependência, que já é uma doença, a pergunta que se faz é saber se a pessoa que continua usando drogas apesar de saber todo mal que ela causou e causa em sua vida é normal psiquiatricamente.
Conforme afirma o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Norte-americana de Psiquiatria) o Transtorno por Uso de Substâncias, que engloba o abuso e a dependência a substâncias, encontra-se freqüentemente associado a outras patologias psiquiátricas. Assim diante de um paciente com uso problemático de drogas, seja dependência ou uso abusivo, devemos sempre investigar a existência de outra doença emocional; ou por baixo da dependência ou como conseqüência.
É provável até que a existência de outros transtornos emocionais co-mórbidos à dependência dificulte a adesão do paciente ao tratamento, proporcione resultados piores em termos de freqüência e quantidade da droga consumida, bem como do funcionamento psicossocial. É isso mesmo. Nem sempre é a droga em si a responsável exclusiva pela apatia ocupacional do dependente, pelos fracassos sociais e familiares. Muitas vezes sua própria personalidade se mostra algo inviável para a condução da vida.
São muitas as dúvidas sobre as causas, conseqüências e recusa ao tratamento da dependência. Seriam outros transtornos emocionais que causariam isso tudo? Quais patologias mentais estariam mais freqüentemente associadas ao uso de drogas? Tais doenças teriam uma evolução diferente por culpa das drogas? Quais os tratamentos e as prevenções mais apropriadas?
Muitos trabalhos de pesquisa têm mostrado uma elevada prevalência (13%) da associação de doença mental com uso abusivo de substâncias. Nas populações em tratamento psiquiátrico, tanto ambulatorial quanto em internação hospitalar, encontra-se 20 a 50% de co-morbidade entre as variadas doenças mentais com o alcoolismo e abuso de outras drogas (McCrady, 1999).
Observações inversas também ocorrem, pois nos centros especializados no atendimento ao dependente químico a co-morbidade com outros transtornos mentais também é maior, se comparada à população em geral.  Em relação às doenças mentais mais severas, como são a esquizofrenia e o transtorno bipolar do humor, em quase metade dos pacientes também aparece a associação com abuso ou dependência de substâncias psicoativas (Alverson, 2000).
Embora não haja evidências na literatura de determinados transtornos emocionais e de personalidade como sendo causas do comportamento aditivo, a presença de Transtorno de Conduta na infância, de diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar na adolescência e Transtorno Anti-Social de Personalidade ou Borderline seriam fortes fatores de risco para uso de drogas no futuro (Glantz, 2000).
Não obstante, há evidencias de que a desinibição de comportamento e o temperamento considerado "difícil" na criança possam representar fatores de risco para o uso futuro de drogas (idem). Em outras palavras, embora sem critérios suficientes para se constituir em relação causa-efeito, as observações mostram sugestiva associação de determinadas patologias mentais e traços de personalidade com o uso de drogas.
Uma das hipóteses que tentam justificar a associação entre dependência química e transtornos emocionais seria uma espécie de vulnerabilidade da pessoa para a doença mental. Neste caso a droga apenas desencadearia e agravaria os sintomas mentais dormentes.
O segundo modelo sugere que essa associação se dá em função da pessoa que se sente mal por conta de algum transtorno emocional buscar a droga como uma espécie de “automedicação”. Ela aliviaria os sintomas de sua depressão, sua ansiedade, obsessão, angústia e assim por diante.
A terceira hipótese supõe uma causa (biológica?) comum que predisporia o sujeito ao uso de drogas e à doença mental simultaneamente. Um quarto e último modelo entende a associação droga-doença mental como a ocorrência independente das duas coisas, apenas uma concomitância. Nesse caso o uso de drogas pela pessoa com doença mental seria determinado por fatores independentes daqueles da doença mental (Serge, 2001).
Esses quatro modelos podem ser usados para tentar explicar, por exemplo, a associação de uma pessoa com transtorno afetivo bipolar e dependência à cocaína, ou do transtorno obsessivo-compulsivo com o álcool, o transtorno de ansiedade, fóbico ou do pânico com maconha e assim por diante. É, inclusive, útil para entender o severo agravamento da tendência esquizofrênica (personalidade esquizóide, por exemplo) com abuso de craque ou coisa que o valha.
Já é muitíssimo conhecido das pessoas que lidam com pacientes internados o fato da maioria dos esquizofrênicos fumarem exageradamente, sugerindo algum substrato neurobiológico comum aos dois estados. Os pacientes esquizofrênicos que fazem uso de tabaco, iniciam seu uso exagerado em aproximadamente antes do inicio dos sintomas psicóticos em 86% dos casos (Beratis, 2001).
Segundo Moreira e Soares (2003), no caso da esquizofrenia e o tabaco, os achados neurobiológicos da esquizofrenia envolvem alterações em circuitos cortico-mesolímbicos associados tanto aos sintomas cognitivos, perceptuais e afetivos da doença, quanto ao comportamento de recompensa e fissura do tabaco, o que fortalece a hipótese de uma mesma causa para os dois estados.
Tecnicamente, a literatura científica vem estabelecendo o sistema dopaminérgico mesolímbico como o principal substrato biológico para o reforço positivo de psicoestimulantes, maconha, nicotina e álcool. Essas substâncias direta ou indiretamente aumentam a liberação de dopamina, um neurotransmissor, nos sistemas que envolvem os neurônios de uma determinada área cerebral (a área tegmentar ventral na sua conexão com o núcleo acumbens). Essas mesmas áreas cerebrais (mesolímbicas) estão envolvidas no comportamento de fissura pela droga (Chambers, 2001).
É interessante saber que esse mesmo sistema cerebral (mesolímbico) esta relacionado com os sintomas esquizofrênicos, com a ação dos medicamentos para esquizofrenia e com o desenvolvimento de sintomas psicóticos pelo uso de anfetaminas e cocaína, como é o caso da chamada “nóia” (sintomas francamente paranóicos).
O tratamento do dependente químico portador também de outra doença mental tem resultados melhores quando se integra o tratamento dos sintomas psíquicos do eventual transtorno com atitudes direcionadas à dependência. A existência de comorbidade aumenta a dificuldade no controle de cada doença isoladamente, ou seja, é mais difícil tratar um paciente deprimido e dependente de cocaína do que o tratamento da depressão ou dependência à cocaína isoladamente.
Tem sido comum a comorbidade de Transtorno Depressivo com uso diário de bebida alcoólica, com dependência ou não. Na maioria dos casos percebe-se claramente que o álcool está sendo usado como lenitivo da angústia, desânimo e tristeza próprios da depressão. Neste caso o sucesso terapêutico será inegavelmente maior se a depressão for tratada com mesmo entusiasmo que a abstinência do álcool. É bastante freqüente a associação de alcoolismo, dependência de cocaína ou anfetaminas com depressão. Não se pode tratar uma doença sem tratar igualmente a outra.
O quadro de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), anteriormente acreditado afetar apenas crianças, é bastante associado ao consumo de cocaína. Os pacientes referem sentir-se aliviados com a cocaína. A semelhança neuroquímica entre esses dois estados deduz-se até pelo fato do tratamento do TDAH ser através de fortes estimulantes, como, por exemplo, o metilfenidato. Neste caso o tratamento precoce do TDAH, ainda em criança, deve ser encorajado até por uma questão de prevenção para a eventual futura dependência química.
A dependência a anfetaminas, cocaína e seus derivados (craque) leva a um quadro francamente psicótico, paranóico e alucinatório. Como não se trata de uma esquizofrenia franca ou genuína, falamos em quadro esquizofreniforme. Apesar de muito exuberante em sintomas, tudo isso se resolve em poucas semanas com a abstinência e o tratamento da dependência. Por outro lado, embora a esquizofrenia verdadeira não seja causada pelas drogas, poderá ser severamente piorada com o uso de destas, formando assim um círculo vicioso; esquizofrenia – drogas - piora da esquizofrenia – mais drogas... e assim por diante. Nesses pacientes o controle dos sintomas psicóticos é de grande importância para a redução na utilização da droga.
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TSPT), também tem forte relação com o uso de drogas, tanto de cocaína quanto de maconha. Trabalho policial, violência urbana, guerras, acidentes e outros eventos traumáticos favorecem o TSPT e, conseqüentemente o uso de drogas (Brady, 2000).
O Transtorno de Pânico é outro quadro que também representa um risco aumentado para o uso abusivo de substância, notadamente do álcool. Estudo de McCrady (1999) mostrou uma prevalência de uso abusivo de drogas em 16% da população com Transtorno do Pânico.
É muito importante avaliar a presença de comorbidades nos pacientes com dependência química para maior eficácia do tratamento. Além de proporcionar o não-uso da substância, o tratamento objetiva assistir intensivamente a eventual síndrome de abstinência, a correção de estados agudos de ansiedade e depressão, idéias delirantes e eventuais alucinações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MCCRADY, BS.; EPSTEIN, EE. Addictions: A Comprehensive Guidebook. New York, Oxford University Press, 1999.
BRADY, KT E COLS. Comorbidity of Psychiatric Disorders and Posttraumatic Stress Disorder. J Clin Psychiatry; 61 (suppl 7), 2000.
SERGE, S. E COLS. Correlates of Substance Misuse in Patients with First-Episode Schizophrenia and Schizoaffective Disorder. Acta Psychiatr Scand; 104: 365-374, 2001.
BERATIS, S.; KATRIVANOU, A.; GOURZIS, P. Factors Affecting Smoking in Schizophrenia. Comprehensive Psychiatry; 42: 393-402, 2001.
GLANTZ, MD.; LESHNER, AI. Drug Abuse and Developmental Psychopathology. Development and Psychophatology; 12: 795-814, 2000.
ALVERSON, H.; ALVERSON, M.; DRAKE, RE. An Ethnographic Study of the Longitudinal Course of Substance Abuse Among People with Severe Mental I11ness. Community Mental Health Journal; 36: 557-569, 2000.
MOREIRA, EC.; SOARES, GHG. Dependência de nicotina em pacientes com esquizofrenia: etiologia e tratamento J.Bras.Psiquiatr. 52 (4): 245-330, 2003.

CO-DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Intrigante e até misteriosa, é a aparente perseverança com que alguns familiares, normalmente cônjuges e companheiros(as), se dedicam aos parentes com problemas de dependência, alcoolismo, jogo patológico ou outro transtorno grave da personalidade. Difícil entender como e porque essas pessoas suportam heroicamente todo tipo de comportamento problemático, ou até atitudes sociopáticas dos companheiros(as), como se assumissem uma espécie de desígnio ou “carma”, para o qual fossem condenados para todo o sempre.
Não se consegue compreender porque essas pessoas abrem mão da possibilidade de ser feliz ou de diminuir o sofrimento, permanecendo atreladas à pessoa problemática, suportando toda a tirania de sua anormalidade, como se esse fosse o único papel reservado pelo destino.
Os profissionais com prática no exercício da clínica psiquiátrica sabem das dificuldades existenciais dessas pessoas codependentes, ou seja, “dependentes” dos companheiros(as) problemáticos, quando estes deixam o vício. Parece que os codependentes ficaram órfãos, de uma hora para outra, perdidos e sem propósito de vida. Não é raro que passem elas, as pessoas codependentes, a apresentar problemas semelhantes àqueles dos antigos dependentes que cuidavam.
Codependência é um transtorno emocional definido e conceituado por volta das décadas de 70 e 80, relacionada aos familiares dos dependentes químicos, e atualmente estendido também aos casos de alcoolismo, de jogo patológico e outros problemas sérios da personalidade.
Codependentes são esses familiares, normalmente cônjuge ou companheira(o), que vivem em função da pessoa problemática, fazendo desta tutela obsessiva a razão de suas vidas, sentindo-se úteis e com objetivos apenas quando estão diante do dependente e de seus problemas. São pessoas que têm baixa auto-estima, intenso sentimento de culpa e não conseguem se desvencilhar da pessoa dependente.
O que parece ficar claro é que os codependentes vivem tentando ajudar a outra pessoa, esquecendo, na maior parte do tempo, de cuidar de sua própria vida, auto-anulando sua própria pessoa em função do outro e dos comportamentos insanos desse outro. Essa atitude patológica costuma acometer mães (e pais), esposas (e maridos) e namoradas(os) de alcoolistas, dependentes químicos, jogadores compulsivos, alguns sociopatas, sexuais compulsivos, etc.

O CODEPENDENTE É ATADO NA PESSOA PROBLEMA

Uma expressão que representa bem a maneira como o codependente adere à pessoa problemática é atadura emocional. Dizemos que existe atadura emocional quando uma pessoa se encontra atrelada emocionalmente a coisas negativas ou patológicas de alguém que o rodeia; seja esposo, filho, parente, companheiro de trabalho, etc. Devida a essas amarras emocionais o codependente passa a ser quase um outro dependente (da pessoa problemática).
A Codependência se manifesta de duas maneiras: como um intrometimento em todas as coisas da pessoa problema, incluindo horário de tomar banho, alimentação, vestuário, enfim, tudo o que diz respeito à vida do outro. Em segundo, tomando para si as responsabilidades do outra pessoa. Evidentemente, ambas atitudes propiciam um comportamento mais irresponsável ainda por parte da pessoa problemática.
Percebe-se na codependência um conjunto de padrões de conduta e pensamentos (patológicos) que, além  compulsivos, produzem sofrimento. O codependente almeja ser, realmente, o salvador, protetor ou consertador da outra pessoa, mesmo que para isso ele esteja comprovadamente prejudicando e agravando o problema do outro.
Como se nota, o problema do codependente é muito mais dele próprio do que da pessoa problemática e, normalmente, a nobre função do codependente depende da capacidade de ajudar ou salvar a outra pessoa, que sempre é transformada em vítima e não responsável pelos próprios problemas.
Por causa do envolvimento de toda a família nos problemas do dependente ou alcoolista, considera-se que o alcoolismo ou o uso nocivo de drogas é uma doença que afeta não apenas o dependente, mas também a família.

SINTOMAS DA CODEPENDÊNCIA

A Codependência é uma condição específica que se caracteriza por uma preocupação e uma dependência excessivas (emocional, social e a vezes física), de uma pessoa em relação à outra, reconhecidamente problemática. Depender tanto assim de outra pessoa se converte em uma condição patológica que caracteriza o codependente, comprometendo suas relações com as demais pessoas. Em pouco tempo o codependente começa a achar que ninguém apóia a pessoa problema (como ele), que ambos são incompreendidos, ele e a pessoa problemática, ambos não recebem o apoio merecido, etc.
O Codependente tem seu próprio estilo de vida e seu modo de se relacionar consigo próprio, com os demais e com a pessoa problemática. Devido sua baixa auto-estima, ele sempre se preocupa mais com os outros do que consigo mesmo (pelo menos aparentemente).
A pessoa codependente não sabe se divertir normalmente porque leva a vida demasiadamente a sério, parecendo haver um certo orgulho em carregar tamanha cruz, em suportar as ofensas, humilhações e frustrações. Como ele precisa desesperadamente da aprovação dos demais, porque no fundo ele mesmo sabe que está exagerando em seus cuidados com a pessoa problemática, procura ter complacência e compreensão com todos por uma simples questão de reciprocidade (quer que os outros também entendam o que está fazendo).
A Codependência se caracteriza por uma série de sintomas e atitudes mais ou menos teatrais, e cheias de Mecanismos de Defesa, tais como:

1. - Dificuldade para estabelecer e manter relações íntimas sadias e normais, sem que grude muito ou dependa muito do outro;
2. - Congelamento emocional. Mesmo diante dos absurdos cometidos pela pessoa problemática o codependente mantém-se com a serenidade própria dos mártires;
3. - Perfeccionismo. Da boca para fora, ou seja, ele professa um perfeccionismo que, na realidade ele queria que a pessoa problemática tivesse;
4. - Necessidade obsessiva de controlar a conduta de outros. Palpites, recomendações, preocupações, gentilezas quase exageradas fazem com que o codependente esteja sempre super solícito com quase todos (assim ele justificaria que sua solicitude não é apenas com a pessoa problemática);
5. - Condutas pseudo-compulsivas. Se o codependente paga as dívidas da pessoa problemática ele “nunca sabe bem porque fez isso”, diz que não consegue se controlar;
6. – Sentir-se responsável pelas condutas de outros. Na realidade ele se sente mesmo responsável pela conduta da pessoa problemática, mas para que isso não motive críticas, ele aparenta ser responsável também pela conduta dos outros;
7. - Profundos sentimentos de incapacidade. Nunca tudo aquilo que fez ou está fazendo pela pessoa problemática parece ser satisfatório;
8. – Constante sentimento de vergonha, como se a conduta extremamente inadequada da pessoa problemática fosse, de fato, sua;
9. – Baixa autoestima;
10. - Dependência da aprovação externa, até por uma questão da própria auto-estima;
11. - Dores de cabeça e das costas crônicas que aparecem como somatização da ansiedade;
12. - Gastrite e diarréia crônicas, como envolvimento psicossomático da angústia e conflito;
13. - Depressão. Resultado final.

Parece um nobre empenho ajudar a outras pessoas que se estão se autodestruindo, como no caso dos alcoolistas ou dependentes químicos, do jogo ou do sexo compulsivos. Entretanto, se quem ajuda se esquece de si mesmo, se entrega à vida da outra pessoa problemática, então estamos diante da Codependência. A dor na Codependência é maior que o amor que se recebe e se uma relação humana resulta prejudicial para a saúde física, moral ou espiritual, ela deve ser desencorajada.
Na realidade a codependência é uma espécie de falso-amor, uma vez que parece ser destrutivo, tendo em vista que pode agravar o problema em questão, seja a dependência química, alcoolismo, transtornos de personalidade, etc. Todo amor que não produz paz, mas sim angústia ou culpa, está contaminado de codependência, é um amor patológico, obsessivo é bastante destrutivo. Ao não produzir paz interior nem crescimento espiritual, a codependência cria amargura, angustia e culpa, obviamente, ela não leva à felicidade. Então, vendo desse jeito, a codependência aparenta ser amor, mas é egoísmo, medo da perda de controle, da perda da relação em si.

DISFUNÇÃO FAMILIAR

Na família da pessoa problemática as relações familiares e a comunicação interpessoal vão se tornando cada vez mais complicadas. A comunicação se faz mais confusa e indireta, de modo que é mais fácil encobrir e justificar a conduta do dependente do que discuti-la. Esta dificuldade (disfunção) vai se convertendo em estilo de vida familiar e produzindo, em muitos casos, o isolamento da família dos contatos sociais cotidianos. As regras familiares se tornam confusas, rígidas e injustas para seus membros, de forma que os deveres passam a ser distorcidos, com algum prejuízo das pessoas que não têm problemas e privilégios da pessoa problemática.
Como se vê, a conduta codependente é uma resposta doentia ao comportamento da pessoa problemática, e se converte em um fator chave na evolução da dependência, isto é, a codependência promove o agravamento da situação da pessoa problemática, processo chamado de facilitação. Mas, os codependentes não se dão conta de que estão facilitando o agravamento do problema, em parte pela negação e em parte porque estão convencidos de que sua conduta esta justificada, uma vez que estão “ajudando” o dependente a não se deteriorar ainda mais e que a família não se desintegre.
Costuma ser mais freqüente do que se pensa, as pessoas codependentes buscarem ajuda médica, porém, sem que tenham crítica de tratar-se de codependência. Antes disso, essas pessoas se queixam de depressão ou simplesmente de estresse.
Os profissionais de saúde que trabalham na área de dependências, correm sempre o risco de desenvolver codependência como resultado da exposição crônica à dependência dos pacientes.
As manifestações dessa codependência profissional são muito variadas, podendo dizer respeito à assumir franca e pesada responsabilidade pelo dependente, protege-lo das conseqüências de suas decisões, e dar-lhe sermões repetitivos, enfim, assumir atitudes que ultrapassam as funções do profissional.
Quando acontece a codependência em profissionais da área (médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, pessoal da enfermagem), normalmente não há uma crítica imediata da situação, senão a sensação de que todas as atitudes objetivam genuinamente ajudar o paciente. Entretanto, a codependência está longe de ajudar, sendo mais provável um agravamento da dependência ou uma facilitação.
O impacto que a família sofre com o uso de drogas por um de seus membros é correspondente as reações que vão ocorrendo com o sujeito que a utiliza. Este impacto pode ser descrito através de quatro estágios pelos quais a família progressivamente passa sob a influência das drogas e álcool:

1. Na primeira etapa, é preponderantemente o Mecanismo de Negação. Ocorre tensão e desentendimento e as pessoas deixam de falar sobre o que realmente pensam e sentem;
2. Em um segundo momento, a família demonstra muita preocupação com essa questão, tentando controlar o uso da droga, bem como as suas conseqüências físicas, emocionais, no campo do trabalho e no convívio social. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso abusivo de álcool e drogas instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que as drogas e álcool não estão causando problemas na família;
3. Na terceira fase, a desorganização da família é enorme. Seus membros assumem papéis rígidos e previsíveis, servindo de facilitadores. As famílias assumem responsabilidades de atos que não são seus, e assim o dependente químico perde a oportunidade de perceber as conseqüências do abuso de álcool e drogas. ? comum ocorrer uma inversão de papéis e funções, como por exemplo, a esposa que passa a assumir todas as responsabilidades de casa em decorrência o alcoolismo do marido, ou a filha mais velha que passa a cuidar dos irmãos em conseqüência do uso de drogas da mãe.
4. O quarto estágio é caracterizado pela exaustão emocional, podendo surgir graves distúrbios de comportamento e de saúde em todos os membros. A situação fica insustentável, levando ao afastamento entre os membros gerando desestruturação familiar

RECUPERAÇÃO DA CODEPENDÊNCIA

A Codependência também pode ser agravante e desencadeante de depressão, suicídio, doenças psicossomáticas, e outros transtornos. Os grupos de ajuda para familiares de dependentes (químicos e alcoólicos) visam, principalmente, reverter este quadro, orientando os familiares a adotarem comportamentos mais saudáveis. Os profissionais acham que o primeiro passo em direção a esta mudança é tomar consciência e aceitar o problema.
O tratamento da Codependência pode consistir de psicoterapia, grupos de auto ajuda, terapia familiar e em alguns casos, antidepressivos e ansiolíticos. Os grupos de auto ajuda para familiares de dependentes, tais como, Alanom e Codependentes Anônimos são de grande utilidade no processo de recuperação familiar da codependência.

CODEPENDENTES ANÔNIMOS

Nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos, Codependentes Anônimos são grupos de ajuda com metodologia de relato em grupo e do estímulo para observância de algumas recomendações disciplinares e de alguns passos importantes. As chamadas Doze Tradições dos Codependentes Anônimos foram adaptados das 12 Tradições de Alcoólicos Anônimos conforme abaixo:

1- Nosso bem-estar comum deve estar sempre em primeiro lugar; a recuperação pessoal depende da unidade de Codependentes Anônimos;
2- Somente uma autoridade preside, em última análise, ao nosso propósito comum – um Poder Superior amantíssimo que Se manifesta em nossa consciência coletiva. Nossos líderes são apenas servidores de confiança; não têm poderes para governar;
3- O único requisito para ser membro da unidade de Codependentes Anônimos é ter um sincero desejo para relacionamentos saudáveis e amorosos;
4- Cada Grupo deve ser autônomo, salvo em assuntos que afetam outros Grupos, ou Codependentes Anônimos como um todo;
5- Cada Grupo tem um único propósito primordial – levar sua mensagem ao Codependente que ainda sofre;
6- Um Grupo de Codependentes Anônimos nunca deverá jamais endossar, financiar ou emprestar o nome de Codependentes Anônimos a qualquer sociedade parecida ou empreendimento alheio à irmandade, para que problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos desviem de nosso propósito espiritual;
7- Cada Grupo deverá ser totalmente auto-sustentável, recusando assim contribuições de fora;
8- Codependentes Anônimos deverá permanecer sempre não profissional, embora nossos centros de serviços possam empregar trabalhadores especializados;
9- Codependentes Anônimos, jamais deverá organizar-se como tal; podemos, porém, criar juntas ou comitês de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços;
10- Codependentes Anônimos não opinam sobre questões alheia à Irmandade, portanto, o nome de Codependentes Anônimos, jamais deverá aparecer em controvérsias públicas;
11- Nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da promoção; cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal em nível de imprensa, rádio e filmes;
12- O anonimato é a base espiritual de todas as nossas Tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.

Vejamos agora os Doze Passos de Alcoólicos Anônimos, dos quais surgiu a adaptação dos 12 Passos de Codependentes Anônimos:

1- Admitimos que éramos impotentes perante os outros - que nossas vidas haviam se tornado incontroláveis;
2- Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós, poderia nos devolver a sanidade;
3- Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidado de Deus como nós O concebíamos;
4- Fizemos um destemido e minucioso inventário moral de nós mesmos.
5- Admitimos perante a Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas;
6- Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter;
7- Humildemente rogamos a Deus para que nos livrasse de nossas imperfeições;
8- Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados;
9- Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, exceto quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem. 10- Continuamos fazendo o inventário pessoal, e quando nós estávamos errados, nós o admitíamos prontamente;
11- Procuramos através da prece e da meditação melhorar nosso contato consciente com Deus como nós O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós e força para realizar essa vontade;
12- Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos levar esta mensagem para outros codependentes e praticar estes princípios em todos as nossas atividades;

A American Society of Addiction Medicine propõe três fases para o tratamento de famílias de dependentes químicos, sendo que o nível de intervenção varia de acordo com a meta de tratamento estabelecida, bem como as necessidades da família. A tabela abaixo sumariza os níveis de intervenção familiar de acordo com as fases:

Fase I:
- 1. Trabalhar a negação;
- 2. Interromper o consumo de substâncias

Fase II:
- 1. Prevenir recaídas;
- 2. Estabilizar a família, melhorando seu funcionamento.

Fase III:
- 1. Aumentar a intimidade do casal, no plano emocional e sexual.

Segundo a psicóloga Neliana Buzi Figlie, especialista em dependência química, a Fase I objetiva que o dependente a atinja a abstinência. Para tal é importante auxiliar as pessoas a assumir a responsabilidade sobre seus comportamentos e sentimentos. Por vezes, alguns membros podem ser atendidos conjuntamente, enfatizando a diminuição da reatividade do impacto de um familiar nos outros. Ao pensar no modelo de doença, nesta fase é trabalhado o conceito de Codependência.
No referencial sistêmico, o foco centra-se na esposa definir uma posição de modo a quebrar o circulo repetitivo do funcionamento familiar e desta forma, auxiliar o dependente em sua recuperação. O referencial comportamental trabalha com a perspectiva de visualizar comportamentos do cônjuge que reforcem o comportamento aditivo, almejando a substituição por comportamentos que reforcem a sobriedade.
Na Fase II, ainda segundo Neliana Buzi Figlie, o foco é identificar padrões disfuncionais na família como um todo, tanto na família de origem, quanto da família de procriação. Nesta fase é importante retomar rituais familiares e conforme o grau de dificuldade, o encaminhamento para uma psicoterapia familiar especializada pode ser realizado.
A Fase III é definida como uma nova fronteira no tratamento da dependência química, sendo uma das áreas menos exploradas e talvez uma das mais controversas. Muito tempo após a cessação do consumo de substâncias, alguns relacionamentos continuam desgastados. Nesta fase o tratamento tem como meta aumentar a intimidade do casal e a participação de ambos no processo é fundamental.
Em termos de modalidades de tratamentos psicológicos, Neliana Buzi Figlie discorre sobre 4 tipos:

Grupos de Pares, onde os membros da família são distribuídos em diferentes grupos dependentes químicos, pais, mães, irmãos, cônjuges, etc. A interação entre pares é facilitadora de mudanças, uma vez que escutar de um par não é o mesmo que escutar de um profissional, porque o par passa por situação semelhante e não é alvo de fantasias e idealizações como o terapeuta.

Grupos de Multifamiliares. Através de um encontro de famílias que compartilham da mesma problemática, cria-se um novo espaço terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidariedade e ajuda mútua, onde as famílias se convocam para ajudar a solucionar o problema de uma e de todas, gerando um efeito em rede. Todas as famílias são participantes e destinatárias de ajuda.

Psicoterapia de Casal, onde os casais podem ser atendidos individualmente ou também em grupos, uma vez que o profissional tenha habilidades para conduzir as sessões sem expor particularidades que não sejam adequadas ao tema focado.

Psicoterapia Familiar. Aqui a é a abordagem mais especializada segundo um referencial teórico de escolha do profissional para a compreensão do padrão familiar e intervenção. Nesta modalidade se reúne a família e o dependente químico.

Fonte: http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=24. Acessado em 22/01/13 às 23:26hs.




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